quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

CANGUÇU ANTES DE 1857 – UMA RETROSPECTIVA

As terras de Canguçu pelo Tratado de Tordesilhas de 1494, pertenciam à Espanha. E Portugal, ao fundar Colônia do Sacramento em 1680, infringiu o Tratado de Tordesilhas, com base na infração do referido Tratado pelos espanhóis ao conquistarem as Filipinas.
Em 19 de agosto de 1737, o Rio Grande do Sul português foi fundado, com o desembarque em Rio Grande da Expedição ao comando do Brigadeiro José da Silva Pais. Este, a seguir, estendeu a conquista pelo litoral, até o Chuí e São Miguel e contrário ao estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas. Canguçu ainda era território espanhol e povoado pelos índios Tapes originários de tapuias guaranizados.
Pelo Tratado de Madrid de 1750, Canguçu passou a ser português. Pelo referido Tratado, os Sete Povos das Missões passariam para Portugal, em troca da Colônia do Sacramento que passaria ao domínio de Espanha.
E de 1752 a 1754, tem lugar a Guerra Guaranítica, no Rio Grande do Sul marcada pela revolta dos índios missioneiros liderados por jesuítas que se recusaram deixar suas terras e transferir-se para a margem direita do rio Uruguai, forçados pelos exércitos demarcadores de Espanha e Portugal.
Na 2ª tentativa de penetrar nas Missões, remontando o Jacuí, foi criado em 1752 o Forte Jesus-Maria-José, origem de Rio Pardo a primeira localidade portuguesa na Campanha. Ela foi a 2ª base militar portuguesa no Rio Grande. A 1ª foi Rio Grande. A partir daí atravessando o território ocupado hoje por Canguçu, foi estabelecido um caminho de ligação destas duas bases. Caminho considerado o mais antigo do Rio Grande do Sul.
Em Canguçu este caminho primitivo atravessava o Vao dos Prestes no Camaquâ dali atingia a Coxilha do Fogo, a seguir Canguçu atual e Morro Redondo atual. Daí descia até o rio Piratini, atravessava o São Gonçalo e depois atingia Povo Novo atual e finalmente Rio Grande.
Na última expedição rumo as Missões foi criado o Forte São Gonçalo na margem esquerda do rio Piratini, para proteção do Exército Demarcador de Portugal e em especial de sua linha de suprimento, dos índios Tapes que habitavam a Serra dos Tapes em Canguçu atual.
A demarcação do Tratado de Madrid fracassou! Os casais de açorianos que deviam ocupar as Missões se espalharam ao longo do rio Jacuí. Muitos descendentes desses casais povoariam Canguçu e Piratini, etc.
Em 1763 o governador de Buenos Aires, D. Pedro Ceballos invadiu o Rio Grande do Sul. Antes dessa invasão, provenientes de Rio Pard, a tropa de Dragões do Rio Grande lá sediada atravessou as terras de Canguçu para se dirigir além do Chuí e fundar a Fortaleza de Santa Tereza em território então de Portugal.Fortaleza construída precariamente sobre a areia e de faxina.(cercas de pau a pique)
Mas não puderam apresentar defesa compatível, face a desproporção das forças e se rendeu Santa Tereza ao comando do Cel Thomas Luiz Osório um grande injustiçado de nossa História. Ceballos prosseguiu sem reação ate Rio Grande que fora abandonado por seu goverrnador Eloy Madureira que não ofereceu resistência ao invasor. E atravesou o Sangradouro da Lagoa dos Patos e conquistou São José do Norte.
Casais de açorianos, que haviam se estabelecido entre Povo Novo atual e o canal São Gonçalo, buscaram proteção nas terras de Canguçu e outros procuraram atingir Rio Pardo.
Canguçu atual já havia iniciado a ser povoado de 1752 a 1762 no vale do Piratini, onde se estabelecera a Estância de Luiz Francisco Marques de Souza, próxima a Vila Freire.
Como resistência as serras do s Tapes e do Erval foram transformadas em base de guerrilhas portuguesas.
Em Canguçu elas foram lideradas por Rafael Pinto Bandeira, e cuja finalidade era atacar estâncias espanholas e trazer para nosso lado o gado vacum e cavalos apreendidos que eram colocados nos campos de Canguçu na bacia do rio Camaquã, conforme consta em mapa da época. Elas atuavam com esta diretriz estratégica, vinda do Rio.
“A guerra contra o invasor será feita em pequenas patrulhas localizadas em matas e nos passos dos rios e arroios. Destes locais elas sairão ao encontro dos invasores para surpreende-los, causar-lhes baixas, arruína-lhes cavalhadas, gado vacum e suprimentos e ainda trazer-lhes em constante e contínua inquietação.”
Era o despertar da guerra a Gaúcha na qual as terras de Canguçu tiveram papel importante.como base nas que atuavam na Serra do Herval e em especial na atual Coxilha do Fogo então conhecida como a Encruzilhada do Duro e de onde eram lançadas patrulhas para a cobertura dos passos do rio Camaquã, o das Carretas, do Marinheiro, do Vao dos Prestes, então Camaquam de Baixo e o da Armada.
Em 1773/74 o governador de Buenos Aires, D. Vertiz y Salcedo com forte Exército que os espanhóis denominavam de Armada, invadiu o Rio Grande do Sul pela Campanha. Estabeleceu próximo a Bagé atual, o forte de Santa Tecla. Sua intenção era destruir as bases de guerrilhas nas serras dos Tapes e Erval e depois dominar todo o Rio Grande do Sul.
Mas foi derrotado por estas guerrilhas e Dragões do Rio Grande em Santa Bárbara. E aí capturaram recursos logísticos essenciais para Vertiz y Salcedo prosseguir. E a seguir uma de suas duas colunas marchando separadas foi derrotada em Tabatingai (próximo de Pântano Grande) por Rafael Pinto Bandeira.
Chegando defronte ao Forte do Rio Pardo, Vertiz y Salcedo sentiu que seria derrotado se prosseguisse. Então decidiu retirar-se com sua Armada para Rio Grande tendo atravessado as terras de Canguçu à partir do passo desde então da Armada no rio Camaquã.
Passo que levou este nome por nele Vertiz y Salcedo ter sido induzido a o cruzar por Rafael Pinto Bandeira, ao invés do passo Camaquã de Baixo, atual Vao dos Prestes. Travessia que Vertiz teve imensas dificuldades de cruzar tendo que inclusive que construir uma passagem para passar seus canhões e sempre hostilizado pela guerrilha de Pinto Bandeira que o seguia e o hostilizava em sua retirada.
E por Canguçu atual a Armada do mexicano Governador Vertiz y Salcedo, Governador de Buenos Aires passou com destino a Rio Grande que a Espanha dominava há 10 anos.
Houve um plano do nosso Governador Coronel Marcelino de Figueiredo, com querrilheiros de Rafael Pinto Bandeira e Dragões do Rio Pardo do Cel Roncally de baseados em Canguçu, na antiga citada estância de Luiz Francisco Marques de Souza, de atraírem parte os espanhóis para corte do São Gonçalo para permitir um ataque a Rio Grande, que fracassou, mas que expulsou os espanhóis de São José do Norte.
Em 1775 teve início a expulsão dos espanhóis de Rio Grande do Sul atual que eles chegaram a dominar 2/3. Em 31 de outubro de 1775 foram expulsos por Rafael Pinto Bandeira do Forte São Martinho. Acima de Santa Maria atual e que bloqueava acesso português às Missões Em março de 1776 Rafael Pinto Bandeira e Dragões vindos de Rio Pardo os expulsaram de Santa Tecla.
E em 1º de abril de 1776, o poderoso Exército do Sul, concentrado em São José do Norte, reconquistou Rio Grande há 13 anos dominada pelos espanhóis. Foi em 1º de abril, dia de São Francisco de Paula, nome inicial que seria dado a Pelotas fundada por volta de 1780 a qual tem como padroeiro este santo.
Expulsos os espanhóis de Rio Grande, as terras de Pelotas Canguçu foram liberadas ao povoamento. E por elas passaram Dragões de Rio Pardo que lutaram em Santa Tecla e com destino ao Taim para ali resistir a uma pretendida invasão do General Ceballos. Passagem por Canguçu atual da qualo Major Patrício Correia da Câmara deixou circunstanciado relatório que publico na História da 3ª Brigada de Cavalaria Mecanizada de Bagé,2002.
Ceballos agora Vice Rei do Rio da Prata, em com forte Esquadra e Armada (Exército)conquistou a ilha de Santa Catarina, não conseguiu desembarcar em Rio Grande e por ter sua Esquadra dispersado por ventos e conquistou em definitivo dos portugueses Colônia Sacramento. Os mais bem colocados vieram para Rio São José do Norte , Rio Grande e para Pelotas atual. E entre estes o menino Hipólito José da Costa que se consagraria como o Patrono da Imprensa Brasileira. Os mais pobres denominados Deslocados de Colônia foram recolocados aqui na Serra dos Tapes em pequenas propriedades.
Em seguida a guerra terminou com o Tratado de Santo Ildefonso de 1777, imposto por Espanha a Portugal. Por ele as terras de Canguçu são consagradas como de Portugal.
Em 1783 decorridos 6 anos da expulsão dos espanhóis, Portugal criou a Real Feitoria do Linho Cânhamo do Rincão do Canguçu, com sede em Canguçu Velho e cujas ruínas localizamos em 1972.
Em 1789, nova guerra se aproximava. Por medida de segurança acredito, a Real Feitoria foi transferida para São Leopoldo. E na fronteira com a Espanha no vale do rio Piratini foi fundada a Vila dos Casais atual Piratini. Em Canguçu a Real Feitoria produziu mais que São Leopoldo.
Antes, por volta de 1784 começou a ser demarcada a fronteira. O território entre o rio Piratini e Jaguarão estava indeciso a quem pertenceria.
Em mapa da época da Demarcação, de 1784, nas terras de Canguçu aparece só a referência a Cerro Partido, acidente geográfico importante que integra o nó orográfico onde nascem arroios que deságuam nos rios Piratini e Camaquã e na Lagoa dos Patos.
Em 1800, em face de guerra de 1801 que ameaça eclodir, foi fundado Canguçu como Capela Curada e desestimulado o crescimento da área em torno da antiga sede da Real Feitoria, que passou a ser tratada de Canguçu-Velho, por ter sido criado Canguçu atual.
Canguçu foi criado junto com Caçapava, Encruzilhada e destinados a cobrir os caminhos de invasão espanhola ao Rio Grande do Sul.
Temia-se que Canguçu fosse atingida por invasão espanhola partida de Cerro Largo. E de Canguçu poderia partir para reconquistar Rio Grande ou Rio Pardo. Fora o caminho usado por Rafael Pinto Bandeira, para invadir o Uruguai atual com suas guerrilhas, contornando as fortificações espanholas em Santa Tereza e Santa Tecla.
Em Canguçu, como fiscal de Capela foi colocado o segundo em Comando da Legião de Cavalaria, o Ten Cel Jerônimo Xavier Azambuja, antigo guerrilheiro de Rafael Pinto Bandeira e comandada pelo Coronel Manoel Marques de Souza. Este como tenente fora o guia do assalto a Vila de Rio Grande e era grande sesmeiro na região de Cerrito e hoje é patrono da 8ª Brigada de Infantaria Motorizada de Pelotas por nossa proposta vitoriosa.
Em 1801 estourou a Guerra de 1801. Moradores de Canguçu, Capela Curada, participam da conquista do território entre os rios Piratini e Jaguarão e da conquista do território de Santa Vitória, então Campos Neutrais pelo Tratado de Santo Ildefonso e com destaque para o Ajudante de Cavalaria Ligeira Francisco Soares Louzada, estancieiro em Canguçu próximo ao Passo do Marinheiro e com descentes em Canguçu.
Por esta época, portugueses de diversas origens no Brasil se estabeleceram na Capela Curada de Canguçu, o que foi levantado em estudos dos genealogistas Carlos Grandmasson Rheigantz, Ilka Neves e Alda Maria Morais Jacotlet. Estudos de onde podemos saber o nome e origens dos ancestrais canguçuenses de muitas famílias, muitos vindos de terras ao norte de São José do Norte. Estas pesquisas e mais a do genealogista Cairo Moreira Pinheiro nos ajudaram a levantar minha genealogia em Dos Lemes da ilha da Madeira aos Mattos, Moreira e Bentos de Canguçu publicada em 2006 , sob a égide da ACANDHIS e que espero sirva de modelo ao canguçuenses que desejem levantar seus ancestrais.
Em 1812,Canguçu junto com São Francisco de Paula (Pelotas atual) passou a condição de Freguesia.
Canguçuenses participam das Guerras contra Artigas de 1816 e 1820, cujos nomes não conseguimos apurar. A seguir participam da Guerra Cisplatina 1825/28. E entre eles Joaquim Teixeira Nunes.
Ao final desta guerra o Exército Brasileiro foi desmobilizado em Piratini onde se fixaram os alferes Antonio Joaquim Bento (pai) e Vicente Ferrer de Almeida com descendência em Canguçu. Antonio Joaquim era meu trisavô e pai de Antonio Joaquim Bento, o 1º professor régio para meninos do criado município de Canguçu.
A seguir veio a Revolução Farroupilha onde Canguçu teve grande destaque omitido pela historiografia do Rio Grande do Sul o que temos resgatado como ato de justiça na voz da História.
Canguçu resistiu de 1835 a 1842, durante 7 anos as investidas imperiais que o reconheciam como “o distrito mais farrapo e de mais perigo de Piratini”. E em Canguçu foi a base de 1842 ate 1845 da Ala Esquerda do Exército Imperial ao comando do tem cel Francisco Pedro de Abreu , Chico Pedro ou Moringue que mandou construir uma cadeia que existiu ate 1942 no local onde hoje se encontra o Teatro Municipal. E ele anunciava ironicamente que a havia construído “como uma casa de hospedes para os farrapos”. E nela estiveram presos os coronéis farrapos José Mariano de Mattos e Joaquim Pedro Soares e mais Domingos José de Almeida. Jose Mariano presidira interinamente a Republica Rio Grandense e em 1864 seria o Ministro da Guerra do Império e Joaquim Pedro veterano em Portugal .E Domingos José de Almeida foi o Ministro da Fazenda da República Riograndense.
E ao ser ocupado Canguçu pela Ala Esquerda do Exército Imperial teve fim a segurança que ele proporcionava a Piratini.
E em janeiro de 1857 foi criado o município de Canguçu tendo como distrito Cerrito que a Canguçu permaneceu vinculado por um século (1857-1957).
E ambos com destaque no combate de Seival em 10 de junho de 1836, que criou condições no dia seguinte para a Proclamação da República Riograndense, que durou quase 10 anos e que em 15 de novembro de 1889 inspiraria a Proclamação da República.
Canguçu foi criado como o 20º município do Rio Grande do Sul e 120 anos depois da fundação do Rio Grande do Sul.
Assim procuramos num grande esforço de síntese e de interpretação histórica contribuir para esta seção da ACANDHIS comemorativa dos 150 anos do município de Canguçu, a qual não pude comparecer, como planejava, mas que nele sou representado por meu livro Canguçu reencontro com a História, lançado dia 22, como nossa contribuição prestada em 50 anos de pesquisas aos 150 anos de Canguçu.e mais pelos integrantes de nossa ACANDHIS que desde 1988 me ajudaram nesta tarefa a qual dediquei minha vida e realização maior como historiador militar brasileiro , por haver retirado a grossa camada de patina dos tempos que cobria a bela história de meu querido torrão natal..
Seção esta que evoca a memória de Marlene Barbosa Coelho uma lutadora para a preservação da memória comunitária traduzida pelo Museu Capitão José Henrique Barbosa que ela idealizou e implementou na Casa de Cultura que hoje leva o seu nome como ato de justiça na voz da História. Missão cumprida !

Canguçu, ACANDHIS, 25 de junho de 2007, nos comemorações dos 150 anos de Canguçu.

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